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Category Archives: Literatura Moçambicana

A História de Gungunhana e o livro que fica aquém

17 Quarta-feira Jan 2018

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Gungunhana-lisboa

É certo que causa tão prosaica não condiz com o lugar: da exótica e misteriosa África Austral, esperávamos enigmas quase mágicos, campanhas aventurosas, lutas corpo-a-corpo ou prodígios cinéticos de antologia; no entanto, a grande proeza que convulsiona o século XIX Africano é a introdução do milho. Não será, obviamente, o único responsável pelo surgimento de impérios e guerras de toda a espécie; nem se pode subestimar o papel de alguns Homens prodigiosos ou dos sempre imprevisíveis desmandos da fortuna. O acontecimento, porém, tem peso suficiente para ganhar a precedência no protocolo histórico.

O bom sucesso do milho em terras Africanas fez crescer, mais forte e vigorosa, a população nativa; a facilidade de o plantar em terras úberes libertou muitos homens da ocupação agrícola diária; e o aparecimento de um chefe valeroso, capaz de tirar proveito da recente prosperidade (salvo seja, claro) criou em África um Império nunca visto.

Shaka, um guerreiro de contornos mitológicos, rejeitado pela tribo que levaria à glória – os Zulus, tribo até aí com pouca expressão — construiu em pouco tempo um império colossal. A transformação de um grupelho de pastores numa letal máquina guerreira só tem paralelo com a evolução do império romano; a fulgurante conquista e subjugação de povos aparentemente mais poderosos poderia rivalizar com a contemporânea empreitada napoleónica. Ali, embrenhado no desconhecido interior Africano, formava-se num ápice aquilo que viria a ser o centro de todas as preocupações da África Austral. Foi Shaka que, pela primeira vez, conseguiu que um povo daquelas zonas tivesse um exército permanente; foi Shaka que mudou a forma de guerrear dos Angunes, que os pôs a perseguir e a aniquilar os inimigos derrotados, ao invés do tradicional ataque e fuga próprio dos seus antepassados; foi Shaka o responsável por grandes migrações dos povos derrotados e foi a morte de Shaka, às mãos dos seus irmãos, que fixou a geografia humana oitocentista dos povos africanos.

Mais ninguém conseguiu domínio tão extenso como o de Shaka. É com o seu declínio, então, que começa o Mfecane, a fragmentação dos povos que Shaka tinha unido, e que deu origem aos conhecidos Matabeles, ao Lesoto ou ao Império de Gaza.

Gungunhana-lisboa-1

Gungunhana e as suas mulheres, em Lisboa, em 1896

É de notar que a fragmentação do Império não implicou exactamente uma perda de influência do domínio Zulu. Os Angunes fixaram os seus países e Impérios, mas quase sempre com um pergaminho genealógico e um poderio que fazia deles uma espécie de aristocracia dominadora dos outros povos. O caso de Gaza é paradigmático: Manicusse, um general de Shaka, instalou o seu império numa zona em que já se tinham refugiado muitos dos reis Tongas, fugidos de Shaka, e exerceu sobre eles um domínio que, apesar de lhes permitir certa independência, obrigava ao pagamento de uma série de tributos e impostos.

Como é claro, nem sempre as relações entre os Reis Tongas e o Imperador de Gaza eram pacíficas; e se, com Manicusse, os problemas foram sendo recalcados pela brenha Africana – Portugal, com as fronteiras de Moçambique ainda por definir, chegou a mandar uma embaixada ao imperador de Gaza –, com o seu neto as coisas já foram um pouco diferentes.

Manicusse era avô de Gungunhana. Gungunhana, porém, herdou o império de uma guerra fratricida. Após a morte de Manicusse, Mawewe, o seu filho e sucessor, empenhou-se numa guerra contra os irmãos. Conseguiu matar todos menos um, Muzila, que após um exílio no Transval, reuniu um exército que depôs Mawewe. Este episódio foi particularmente importante porque Muzila, além do apoio da República Bóer do Orange, pediu a ajuda Portuguesa para combater Mawewe. Além de Portugal ter todo o interesse nesta aliança – Mawewe pretendia que também Lourenço Marques lhe pagasse um tributo – tinha uma contrapartida também benéfica: Muzila considerar-se-ia, como veio a acontecer após a vitória, súbdito de Portugal.

Ora, Muzila era pai de Gungunhana, e Gungunhana, decerto alarmado pelo exemplo familiar, não desejava ter concorrência possível para o seu trono. Daí que tenha apertado o controlo sobre os Tsongas, vivesse preocupado com os descendentes de Manicusse — que os havia nos reinos Tongas — que pudessem reclamar o seu trono, e não visse com tão bons olhos a vassalagem que o pai prestara ao rei de Portugal.

Acresce que, com as fronteiras ainda pouco definidas, Gaza estava suficientemente próxima de território inglês para que pudesse ser reclamada pela Rainha Vitória. Gungunhana, ciente disto mesmo, também se ia aproximando, ora de um lado ora de outro, em busca de vantagens.

Tudo isto se passava suficientemente perto e suficientemente longe das províncias europeias para que as guerras entre tribos fossem sendo toleradas e o controlo também um pouco relaxado. Portugal estava ciente, como Inglaterra, do jogo duplo do Leão de Gaza, mas podia tolerá-lo. Inhambane e Lourenço Marques, na costa, mantinham boas relações com os reinos tongas mais próximos; os reis pagavam o imposto de palhota à coroa portuguesa e a paz ia-se mantendo; do lado inglês, também não parecia vir problema; a coroa britânica já tinha problemas com os Bóeres, pelo que seria um absurdo estratégico, em nome de terras pouco exploradas, arranjar um inimigo em Gaza.

Acontece, porém, que pelo fim do século XIX, a presença Europeia em África era muito discutida. A quantidade de interesses em conflito, provada tanto pela conferência de Berlim como pelo Ultimato Inglês, trouxe um enorme problema a Portugal. A cedência no mapa cor-de-rosa dera a imagem de um Portugal fraco, provavelmente incapaz, até, de manter as suas colónias. Estas passaram, assim, a tornar-se um território apetecível sobretudo para os vizinhos mais poderosos. O posto de Lourenço Marques, alimentado por um importantíssimo caminho-de-ferro, chegou mesmo a ser fortemente cobiçado pelo ambicioso estratega inglês Cecil Rhodes, da British South Africa Company, para escoar as matérias do Transvaal.

Assim, ao mesmo tempo que, nominalmente, as relações entre Gaza e Portugal eram cada vez melhores – Portugal, como já referimos, chegou mesmo a ter embaixadas em Gaza – Gungunhana era aliciado para procurar libertar-se do jugo Português.

Rhodes chegou mesmo a dar mil espingardas a Gungunhana em troca da exploração mineral em Gaza; e embora este acordo tenha sido dissolvido por causa dos protestos portugueses junto à coroa inglesa (entretanto já se tinham definido as fronteiras, e Gaza era indiscutivelmente território português), é ilustrativo, quer do interesse estrangeiro no território, quer da disponibilidade de Gungunhana para apoiar diferentes potências europeias.

As revoltas em Lourenço Marques não podem, pois, surgir em pior altura para Portugal. A teia de tribos existentes na província de Lourenço Marques era bastante complicada. Basicamente, havia alguns régulos considerados terras da coroa – que pagavam a Portugal imposto de palhota e reconheciam a soberania portuguesa – e outros que reconheciam apenas a de Gungunhana. O que este caso tem de complicado – teoricamente Gungunhana também era vassalo do Rei de Portugal, embora os seus não o fossem de D. Carlos – ilustra o problema também em pontos mais pequenos. Mesmo entre os régulos vassalos de Gungunhana, havia alguns que eram seus rivais. Assim, por exemplo, entre os Magaias havia uma disputa pelo poder, com Mahazul e Maveja em contenda. Mahazul era um fiel de Gungunhana, pelo que, logicamente, na sua luta pelo regulado Magaia, Maveja iria pedir o apoio português, que assim ganhava mais um regulado fiel.

Foi isto mesmo que aconteceu e que provocou a ira de Mahazul. Mahazul aliou-se, assim, a Matibejana, régulo da tribo Zixaxa, e juntos comandaram uma revolta na província de Lourenço Marques. Num dia, mataram o pescador Carlos Lopes, filho do famoso Patrão Joaquim Lopes, comandante da falua de salvamento do Tejo; noutro, atacaram e exterminaram, junto ao caminho-de-ferro, uma povoação Matola; estes incidentes tiveram grande eco na imprensa Sul-Africana e, como é óbvio, fragilizavam muito a posição estratégica de Portugal: num tempo em que se discutia a legitimidade da posse de territórios africanos, Portugal demonstrava não dominar os seus; numa altura em que o caminho-de-ferro era cobiçado pelos ingleses, Portugal poderia precisar de ajuda externa para o proteger, o que decerto traria as piores contrapartidas; numa altura em que os Bóeres e os Matabeles já mostravam a sua destreza marcial contra exércitos muito mais poderosos, Portugal podia ver-se obrigado a combater contra um colossal Império, em campos quase desconhecidos.

Se além disto notarmos que, nas primeiras expedições punitivas, o Major Caldas Xavier não conseguira sequer avistar os seus adversários, conseguimos perceber como se adivinhava difícil a missão de António Enes, nomeado pela coroa para restabelecer a paz em Moçambique.

As campanhas de António Enes, descritas por ele no seu livro A Guerra de África de 1895, são do mais interessante e mais vivo que a nossa história militar já produziu. Desde a plêiade militar que reuniu, com Aires de Ornelas, Caldas Xavier ou Paiva Couceiro, à primeira vitória em Marraquene, numa luta em campo aberto que trouxe os Matolas e os Moambas definitivamente para o lado Português; dos treinos de Caçadores 3, formados por Nativos, aos planos de ataque pelos rios Inharrime e Limpopo, dos jogos de enganos em que Paiva Couceiro e Mouzinho conseguiram vitórias inesperadas, à decisão de, pacificados os Magaias e os Zixaxas, depôr Gungunhana, tudo é interessante, como se pode ver no livro evocativo de Caldas Xavier ou nas cartas de Aires de Ornelas.

É depois de Marraquene, aliás, que as campanhas passam a dizer directamente respeito a Gungunhana. Matibejana e Mahazul, depois da derrota, pedem protecção ao Leão de Gaza, que os aceita como vassalos. Portugal exige a Gungunhana a entrega dos dois chefes e, depois de umas negociações com tanto de duro como de louco, o conflito estala.

Enes decide então avançar contra a capital de Gaza através de três colunas, cada uma delas subindo um rio (Inharrime, Limpopo e Incomáti), para se encontrarem na capital. A coluna do Incomáti, chefiada por Freire de Andrade, encontra os exércitos de Matibejana e Mahazul em Magul e, numa vitória moralmente brilhante (275 homens batem cerca de seis mil), precipita a derrota de Gungunhana. Muitos dos seus vassalos, depois desta derrota, não se juntam ao Leão de Gaza, o que enfraquece seriamente o seu exército. Gungunhana decide fugir da sua capital – tomada então pelos portugueses com toda a facilidade – e refugia-se em Chaimite. Já numa tentativa desesperada de salvar o seu poder, toma uma decisão que ainda enfraquece mais a sua posição: decide entregar Matibejana, o que aliena por completo a confiança dos seus aliados.

Só esta situação permite perceber a insólita captura do Leão de Gaza. Ao que parece, já tão enfraquecido, Gungunhana decide render-se. Mouzinho de Albuquerque, porém, decide persegui-lo e capturá-lo, levando para isso uma irrisória quantidade de homens, muitos dos quais ainda o abandonaram à chegada a Chaimite. Ainda assim, Mouzinho decide entrar pela paliçada de Chaimite, sem que nenhum dos guardas de Gungunhana lhe ofereça resistência. Trezentos Homens, munidos de espingardas, à vista de trinta ou quarenta, mas imaginando muitos mais, fogem. É assim, abandonado o Imperador pela sua guarda, que acaba o outrora temível Império de Gaza.

Guerreiros rudes, guerreiros cruéis

É neste fim que começa o último livro de Mia Couto. Percebe-se a ideia: de facto, do império Zulu à temerosa empresa de Mouzinho, do melancólico Álvaro Andrea, comandante da corveta do Limpopo que denunciou Mouzinho, uma espécie de guerreiro arrependido, à complicada relação entre Rongas e Angunes, tudo é romanesco. Compreende-se, então, que a trilogia As Areias do Imperador gire em torno do Império de Gungunhana. Mia, porém, é aqui tanto nome do autor como a voz do leão de Gaza. Não apenas por se tratar de um Homem desolado, entregue à bebida, derrotado e sem alma, feito um vulgar trapo na sua travessia até Portugal. Mia, apenas, porque é este o apanágio das personagens tíbias deste romance de Mia Couto.

As personagens são logo reduzidas por um preconceito óbvio: Mia Couto escreve um romance centrado na guerra mas não vê interesse nela. Daí que todos os guerreiros que as fontes relatam como bravos ou timoratos sejam rudes, cruéis, agressivos ou absurdamente intolerantes.

É nisto, aliás, que consiste a afamada neutralidade que Mia Couto empenhou no romance: a neutralidade não se traduz numa complexidade psicológica, ou numa verdadeira consideração por todas as partes, mas sim na equiparação entre Gungunhana e Mouzinho. Ambos são prepotentes, abusadores e pouco mais do que vilões mal esboçados. Em Gungunhana ainda há uns laivos curiosos na esperança que mantém em ser recebido por D. Carlos, mas de resto o livro não ultrapassa a lengalenga costumeira. Abaixo dos chefes guerreiros, sobressaem os heróis, oprimidos mas independentes, sábios de tradição africana, com notável argúcia para prever acontecimentos no meio de feitiçaria e adivinhação tribal. Como nos maus romances históricos, Mia Couto dá a medida da inteligência das personagens pela capacidade que têm em prever acontecimentos históricos reais. Além desta evidente batota literária (o autor já sabe que acontecimentos tiveram lugar), não há característica nenhuma nas personagens que ultrapasse a caracterização escolar. Os gestos misteriosos das personagens são depois explicados em correspondência, para dispensar a subtileza do leitor; as ideias, além de vulgares, expressam-se no maniqueísmo mais gritante, em explosões de prepotência ou racismo completamente gratuitas, com frases de manual.

Mia Couto, além disso, optou neste romance por reformar as suas célebres invenções de palavras através da junção de ideias, nuns trocadilhos à Guimarães-Rosa de liceu. A tentação, porém, assalta-o várias vezes e Mia Couto resolve-a através de um mecanismo risível de grosseiro. As personagens frisam as palavras inventadas, através de alocuções inexplicáveis. “Pensei na palavra…”, “só lhe vinha à cabeça a ideia de…”, como quem tenta inserir de forma atabalhoada um tema de conversa.

Em certos aspectos, este livro lembra a Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa. A campanha de canudos, tratada através de histórias romanescas, em jogo constante com a fonte histórica, um Euclides da Cunha presente mesmo no romance; Mia coleia um amor inter-racial num fenómeno bélico imprevisível e evidentemente romanesco, joga a paródia literária com um António Enes ridículo de ufano e com um Álvaro Andrea pretensamente complexo, mas reduz aquele que podia ser um grande épico moçambicano a uma narrativa monótona de tão linear, que não aproveita nem a riqueza geográfica nem o insólito da busca por Gungunhana, nem a complexidade de um Império assente em fidelidades fragilíssimas, nem as histórias que urde em volta da guerra. Para pretexto narrativo, o amor entre Imani e Germano é demasiado intrusivo; para drama principal, falta-lhe nervo que aguente as tragédias em catadupa. Imani perde o marido, perde o filho, prostitui-se, e continua a narrar placidamente a vida de Gungunhana, como se fosse apenas uma testemunha desocupada do Napoleão moçambicano na Santa-Helena portuguesa.

Mia Couto não podia ter escolhido melhor tema para a sua trilogia; e pior do que não ter feito um bom romance é ter conseguido fazer de um bom tema um mau romance.

(*) – Por Carlos Maria Bobone, in observador.pt

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“O excesso de poesia pode matar um livro” – Mia Couto

11 Sábado Nov 2017

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O escritor Mia Couto esteve em Lisboa para apresentar o terceiro volume da Trilogia Moçambicana, dedicada à memória da ocupação portuguesa da colónia e Gungunhana.

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O fim da trilogia moçambicana As Areias do Imperador dá-se com o livro O Bebedor de Horizontes. A capa é ilustrada com a Praça do Comércio, em Lisboa, onde soldados escoltam o rei prisioneiro Gungunhana – Gungunhana – e algumas das suas trezentas esposas que foram autorizadas a acompanhar o imperador derrotado. Depois da apresentação em Maputo, onde esteve presente o presidente Nyusi, seguiu-se o lançamento em Portugal e daqui a dias no Brasil. Entretanto, Mia Couto assinou contrato para a tradução deste trio na China, versão que não pode controlar mas aprecia a iniciativa: “É como andar no mato e ter medo das cobras, só posso perguntar as credenciais ao tradutor e confiar.”

Este último volume tem um encarte fotográfico que mostra que os cenários da trilogia existiram e suportam a ficção. Ou seja, diz, “sigo em paralelo com a história para o leitor perceber que há uma margem de realidade”. Quanto ao título, resulta de uma experiência pessoal nos Açores, na Terceira: “Olhava o mar infinito que rodeia a ilha e pensei que em vez de dar um sentimento de imensidão acontece o inverso, está-se preso.”

Chega-se ao fim desta trilogia e foram contadas muitas histórias. O que ficou de fora da história?

Foi em muito um trabalho de seleção pois o que há de material escrito sobre este período por parte dos portugueses e memória moçambicana é muito. Não acredito que haja qualquer outra parte da história de Moçambique tão documentada, por isso o meu trabalho foi sobretudo de seleção de episódios, não pela importância histórica mas pelo valor de sugestão.

As fontes principais da trilogia são moçambicanas ou portuguesas?

Ambas. Em Moçambique, são os registos da oralidade. Falei com gente que viveu este período não diretamente, mas que tem a história viva na sua família, moçambicanos que descendem destes personagens. Da parte portuguesa, há um manancial de diferentes registos e até de uma narrativa que vai em contramão como um discurso da grande epopeia por via de personagens reais, como Álvaro Andrea que se rebela contra a intervenção de Mouzinho de Albuquerque por ser aventureira e desrespeitar códigos de honra militares.

Que é bem destacado no romance.

Isso quer dizer que não existia um único Portugal, o que hoje se compreende com mais facilidade.

Foi fácil encontrar “esse” Portugal?

Era um Portugal que estava profundamente dividido pela grande cisão entre monárquicos e republicanos e perspetivas diferentes dos militares. Até 1895 realizava-se uma intervenção hegemónica que era a da aceitação do estado de Gaza [de Gungunhana] e poucos portugueses se apercebem disso – bem como poucos moçambicanos -, por não ser um território homogéneo do ponto de vista da dominação política. Além das terras da Coroa, havia estados com autoridade própria e a relação era de convívio entre nações.

Essa dualidade em Moçambique existe em relação a Gungunhana?

O império de Gaza resulta de uma ocupação imperial de outros povos que conquistam o território a ferro e sangue, daí essas resistências que vemos através da narradora que conta esta história. Há dois colonialismos: um africano feito por africanos e contra africanos, que entrará em confronto com a colonização portuguesa devido a um jogo de interesses imperiais.

O Gungunhana que sai deste livro é o mesmo de quando o iniciou?

Mais ou menos. Quando chego a ele já se percebe que a figura histórica que sobreviveu é contraditória. Trata-se de alguém que tem grande astúcia diplomática, reconhecida por Portugal; afável e cruel; perspicaz na perceção da história e da sua condição face ao poder; sóbrio e ébrio, e um número incontável de mulheres – apesar de só ter tido uma verdadeira paixão, impossível.

Mesmo assim acaba usado como um troféu após a sua captura!

Sim, porque mais do que uma pessoa era um símbolo e era preciso mostrar este rei derrotado para Portugal obter a prova que precisava para mostrar ao resto da Europa que o território de Moçambique tinha as fronteiras proclamadas e evitar ser retalhado e redistribuído por outras potências coloniais.

Coloca numa personagem esta fala: “As pessoas adoram uma boa narrativa. Na guerra não se defrontam apenas exércitos.” Teve isto em conta enquanto escreveu?

Tive e estou animado pelos factos recentes das guerras que foram desencadeadas e que precisaram de uma narrativa em que não importavam quanta verdade existia nela. É o caso da do Iraque, legitimada por uma grande mentira, ou agora desta construção de um grande inimigo civilizacional que é o Islão e o alegado choque de civilizações. Não é verdade, apenas predispõe a combater um inimigo construído.

Cria imagens como a do soldado cego que olha para o lodo e vê a neve da sua terra. Para quê?

A intenção é mostrar que o grande drama é a saudade de outro lugar quando está a combater num que não é seu e tem de ficar cego de alguma maneira. Ensinam o soldado a apurar a sua pontaria, mas só consegue disparar quando já está cego e vítima de uma lavagem cerebral para ver no outro o demónio.

É preciso criar delírios?

Sim, mas tem uma condição particular que é a metáfora de todos os outros. Só assim se percebe que um soldado se disponha a entregar a sua vida longe da sua terra e de quem ama para defender uma causa que não faz sentido.

Essa causa foi a colonização, mas, após a independência, veio a guerra civil. Outra causa sem sentido?

O mecanismo é sempre o mesmo. Para que o homem possa agredir o outro ao ponto de o matar é preciso desumanizar e assim está-se autorizado a eliminar o não humano.

Alguma vez se arrependeu de algum dos seus livros?

Esqueço-me dos livros porque para fazer um novo tenho de os matar simbolicamente. Quando os releio – o que é muito raro porque na escrita reli-o mil vezes, tanto que me considero um reescritor em vez de um escritor – é só por absoluta necessidade. Por ir a uma escola falar deles e não querer ser apanhado em falso pelos alunos. A releitura gera-me uma sensação ambígua, a de como fui capaz de fazer isto e o reconhecimento de ter perdido alguma espontaneidade.

Diz que “uma carta é uma patetice disfarçada de poesia”. É uma reflexão sobre a sua própria escrita?

Às primeiras vezes sim, mas, como reescrevo umas vinte vezes, fui enxugando o texto. O excesso de poesia pode matar um livro, mas mais grave do que não escrever um livro é escrevê-lo demasiadamente.

Quando escreve “quem sabe se os pretos me fazem aqui uma estátua” não receia vir a arrepender-se da utilização dessa designação?

Não estava a escrever fora da realidade que é a própria vida. Há dias estive na Alemanha num encontro por causa de um livro meu, sobre o qual várias organizações questionaram a utilização da palavra niger, (negro) na tradução. Estavam tão assustados com o politicamente correto que tinham uma proposta: em vez de negro ou preto, utilizar a expressão “excessivamente pigmentado”. Ou seja, no livro um personagem do século XIX chamar “Ó excessivamente pigmentado, venha cá”. É errado não escrever sobre a verdade da vida ou estar a corrigir historicamente uma personagem que morreu há cem anos. Estamos a conviver com uma espécie de censura que está a ser imposta para resolver nas palavras o que deve ser tratado mais fundo.

Afinal, as questões do racismo não voltaram em força ao debate?

Sim e acho que é preciso pô-las em cima da mesa de uma maneira radical. Neste livro questiono esse lado cosmético e defendo que se deve ir mais fundo ao criar um mundo em que não seja mais um fator de discriminação. Há, no entanto, um equívoco no discurso de combate ao racismo, pois foi ocupado por uma visão puritanista que é mais a purificação da linguagem enquanto o problema é outro.

E em Moçambique mudou?

Não conheço país que tenha levado mais a fundo essa luta do que Moçambique, onde se saiu de uma situação colonial que fazia nascer o racismo e criou-se um país independente dirigido por uma maioria negra, tal como se fez uma revolução, nacionalizou-se a terra e os meios de produção que assentavam numa máquina que continuava a ser igual. Não esqueço que no princípio, Samora [Machel] falava “preto” e, de repente, percebeu que era preciso mudar e passou a dizer “negro”. Eu uso a palavra certa e não quero perder tempo na escolha, ou estarei a contornar a verdadeira questão. Dizer que Gungunhana é um negro é o mesmo que nada, não é por acaso que Morgan Freeman dizia: “Não sou um ator negro, sou o Morgan Freeman.” Só com o direito a ter individualidade é que acaba o racismo.

A trilogia desmistifica tanto a “epopeia colonial” como Gungunhana também. Os leitores de Moçambique aceitam isto?

Existe uma recordação muito diversa dele. Os povos que foram dominados e massacrados por ele não têm uma boa recordação; há outros que reconhecem ter sido um grande chefe, e até quem ache que tem um potencial para valorizar a resistência anticolonial. Ou seja, há vários Gungunhanas.

E Mouzinhos de Albuquerque?

Ele conhecia a situação colonial, tinha a coragem de um suicida e a inveja de quem morre na guerra. Mas o que fez com Gungunhana foi com a situação controlada e não um ato tão heroico como se pensa.

É também um livro de história?

Antes em diálogo com a história, porque o que se passou há 120 anos ainda tem situações que se colocam hoje a todos os níveis.

Qual a reação dos leitores ao livro?

Tem sido boa. O meu receio era que dissessem “isto não foi bem assim” ou que era uma agressão à verdade histórica. Não. Percebeu-se que é um romance e que foi bem na reconstrução da história.

Pode dizer-se que esta trilogia é a história dos vencidos?

É esse o meu pressuposto desde o início, pois está a ser contada por gente marginal e do lado vencido.

Por João Céu e Silva, in http://www.dn.pt

Grabato Dias e “As Quibíricas”: 45 anos. Cada um faz a homenagem que pode

08 Quarta-feira Nov 2017

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Quibiricas-grabato-dias

Em 1972, um sopro comemoracionista varreu a “patriazinha iletrada”, como se na fase já agonizante da ditadura salazarista a história portuguesa continuasse ainda a sua marcha ascensional e triunfante. O programa de festas e festarolas, executado com pompas de cerimonial (e não sem alguma contestação), incluía sessões solenes, conferências temáticas, entoações do hino nacional, mostras plásticas, colecções de banalidades, ditas e reditas, afirmações patrioteiras declamadas em sessões de alto encómio, lançamento de reedições naturalmente comemorativas, discos e selos, coreografias, números de ginástica rítmica e tudo e tudo. Nada menos que isto. Afinal, 400 anos eram passados sobre a publicação d’ “Os Lusíadas”, há muito indexados, em regime de exclusividade, a Portugal para efeitos retóricos. A identificação entre a narrativa glorificada da nossa história e a consciência nacional era não só um facto, mas, como escreverá Eduardo Lourenço anos mais tarde, “o facto capital da nossa cultura”.

Para assinalar o centenário quadratíssimo da epopeia camoniana, em Novembro desse ano chegava à velha metrópole, procedendo da capital de Moçambique, Lourenço Marques, um livro de médio porte descrito, no entanto, como “um grosso caderno cosido de estâncias à maneira de Camões, em que há falas de el-rei D. Sebastião”, o Desejado antes de aparecer e o Encoberto depois de desaparecer, nosso chefe salvador, cujo espectro tinha sido encarnado na personalidade e na praxis política de Salazar. E a verdade é que o volume, espécie de golpe de rins contra a derrocada portuguesa e a imagem presunçosa da identidade nacional, parecia vir de outras eras, grudar-se a tempos recuados. O jogo de aproximação de dois tempos com óbvios sinais de fim – Alcácer Quibir e o Portugal de 1972, em guerra na África – estava montado. Bastava agitar os fantasmas da história oficial, exorciza-los, e mover as peças da decadência portuguesa, habitualmente traduzida pelo remastigadíssimo verso de Camões, em que se refere a nossa “austera, apagada e vil tristeza”.

Na capa e na portada, muito semelhantes à da primeira edição d’ “Os Lusíadas”, inscrevia-se o nome de um tal Frei Ioannes Garabatus, pseudónimo literário do pintor António Quadros (1933-1994), já então autor de quatro livros assinados como Grabato Dias, um poeta ainda hoje pouco conhecido do público, para azar de ambos. O “poema ético em oitavas” corria como sendo do próprio Camões, em suspeitíssima atribuição do frade zombeteiro, e encostava-se, com doses generosas de irreverência e ímpeto satírico, a alguns dos momentos fundamentais da epopeia, bem como aos seus episódios e passos mais emblemáticos. Propunha-se o falso Camões cantar o “error do Homem / que os futuros, do error a lição tomem”, e empreender com o poema a viagem “do riso que leva ao siso”. Um pé na barca das glórias pretérita, outro na da perdição próxima de um país já sem grandeza nem poderio marítimo, ali metaforizado nas caravelas carcomidas. Para compor o que só poderia ser uma epopeia às avessas e cumprir desígnios éticos, o autor preferia, no entanto, deixar de parte os deuses e invocar-se a si próprio. Quanto ao resto, a aproximação era clara: estilo vizinho, na tentativa de reproduzir a linguagem épica, à qual os arcaísmos davam um cunho realista, estrutura formal a responder por acréscimo: aos 10 cantos e 1102 estâncias do poema de Camões, Garabatus contrapunha 11 cantos e 1180 estâncias, algumas delas ditas e cantadas nas vozes de José Afonso, Maria do Céu Guerra ou Amélia Muge.

A narrativa da vida de D. Sebastião, do berço ao trágico desaparecimento, faz rebaixar a figura perpétua do imaginário mítico nacional ao patamar de anti-herói. Não passam despercebidas as roupas anódinas que um “moço guarda-roupa” veste ao rei, acabado de cair por terra, bem como o próprio corpo, exposto a céu aberto, sem segredo a proteger, tratado sem pompa nem pudor: “Sobre palhada esteira deitam breve / o patético inchado e cru despojo / e um moço guarda-roupa agora o serve / por derradeira vez. Contendo o nojo / sua mesma camisa a dar astreve / a quem tantas lhe deu. Posto de rojo / bailando-lhe nos olhos lantejoulas // de carregada mágoa, umas ceroulas / que desprezadas andam polo chão / e ninguém quer, por vélhas e rompidas /assube polas côxas que aqui estão /  amostrando as ocultas e nojidas / partes por onde impera a corrupção / Vede-o pobre senhor das escondidas / pudicícias dum espírito incerto / com seu segredo agora tão aberto.“

Saído “uma madrugada nas barbas de alguns alguéns”, um tal livro desquadrava do cenário geral dos festejos e de toda uma série de iniciativas de finalidade ornamental, logo a partir do título: “As Qvbyrycas”, isto em arcaica grafia, O nome, derivado de Quibir (ou Kibir) trazia para primeiro plano, não um dado histórico glorioso como Camões, posto ao serviço de pérfidas doutrinas expansionistas e detestáveis ideologias guerreiras, mas um episódio desastroso da história portuguesa. “As Quibíricas”, que conheceriam uma segunda edição em 1991, com o selo das Edições Afrontamento, seriam assim a continuação de “Os Lusíadas”, e estes apenas o prólogo da decadência nacional iniciada em Alcácer-Quibir e rematada no salazarismo.

Não se trata de uma mera paródia da epopeia de Camões, antes de uma enormíssima sátira burlesca, para a qual muito contribui o “rial privilégio de Jorge de Sena”, que em 1972 andou por terras de Moçambique e assinou o extenso e eruditíssimo prefácio. É uma primorosa peça de sarcasmo (e auto-ironia) que acertava em cheio nos mandarinatos da erudição. Não esquece Sena de lembrar que no nosso palmaré de grandezas sequer falta essa glória que ninguém pode disputar a Portugal em magnitude: o terramoto de 1755.

A homenagem às avessas de António Quadros, a provar que nem toda a homenagem se fecha numa postura de enaltecimento louvaminhas, reverência de espinha dobrada, olhos postos no retrovisor, fazia estalar por todos os lados o verniz imperial que, saído da pistola manhosa do regime, ainda pulverizava os cenários da celebração enfatuada da lusitanidade em 1972. O poema de João Pedro Grabato Dias, pelo contrário, fecha em clima de melancolia magoada com o poeta olhando a barca onde regressa o rei morto. O Encoberto transformava-se em “ver”.

Ao contrário de certos livros que, ainda mal se anunciam ou acabam de se despenhar, às pilhas, no chão das livrarias, já contam com filas ávidas de leitores – e previsíveis vendas em avalancha, “As Quibíricas”, 45 anos, que agora se perfazem, sobre a sua primeira edição, aguardam ainda os seus. Ficam apresentadas. Agora é só reeditar, a bem da cultura portuguesa.

Por Teresa Carvalho, in ionline.sapo.pt

Mia Couto classifica novo livro como o seu maior desafio enquanto escritor

04 Sábado Nov 2017

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Mia_couto_novembro_2017Mia Couto classificou, esta quarta-feira, o seu novo livro, “O Bebedor de Horizontes”, como o seu maior desafio enquanto escritor. “Neste percurso de literatura, este é o desafio maior que eu tive”, referiu o autor moçambicano durante a apresentação da obra, em Maputo, numa sessão em que o Presidente da República, Filipe Nyusi, foi um dos oradores.

Mia Couto disse ter ficado esgotado, mas alegre, com o último livro da trilogia “As areias do imperador”, iniciada em 2015 com “Mulheres de Cinza” e depois com “A espada e Azagaia”.

A história da terceira obra gira em torno da prisão, em 1895, de Ngugunhane, último imperador do Império de Gaza, parte de Moçambique e, na altura, bastião da resistência à presença colonial portuguesa.

“Estou a fingir que estou a falar de outras pessoas que já não estão connosco, mas estou a falar de nós próprios. Estou a mentir a dizer que estou a falar do passado, mas estou a falar do presente. É isso que me interessa e foi isso que me entusiasmou a escrever este livro”, referiu.

O livro revela as “falsas diferenças” que dividem os moçambicanos e que hoje “se colocam mais uma vez na história de Moçambique”.

Mia Couto considera que a literatura tem o poder de mostrar que as diferenças “são simplesmente superficiais ou circunstanciais”.

“Não existe uma coisa chamada brancos, negros” ou outras divisões étnicas, “são construções históricas sempre chamadas à pedra quando se trata de fabricar conflitos, fabricar ódios, de sugerir que o caminho não é o diálogo, mas o confronto”, sublinhou.

O escritor referiu que a proposta do livro passa por incentivar cada qual a conhecer melhor o próximo, uma ideia que disse estar personificada na atuação do Presidente da República, Filipe Nyusi.

Mia Couto considerou-o como “uma grande esperança de que Moçambique possa realmente encontrar um tempo seu e ser feliz”, numa alusão ao diálogo com a Renamo, principal partido da oposição, com vista à plena pacificação do país.

Filipe Nyusi subscreveu o apoio ao diálogo, defendendo que haja espaços para “conversar e encontrar soluções para tudo o que é necessário”.

Fonte: Lusa

Mia Couto – O escritor e seus fantasmas

12 Quarta-feira Jul 2017

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Mia_couto_brasil_2017

Sua obra “Terra Sonâmbula” foi considerado um dos melhores livros africanos do século 20 (Foto: Torch Fotografia/Brain Congress/Divulgação)

A entrevista foi na antiga Casa de Jorge Amado, no Rio Vermelho. Mia Couto estava à vontade e não seria exagero dizer que ele se sentia quase em casa. Os olhos um tanto esbugalhados, como a trair uma surpresa muito íntima, voz suave, mas firme, Mia lembra, com uma ponta de magoa, seu passado comunista. “O comunismo se autodestruiu”, afirma. Além de escritores mundialmente conhecidos, o comunismos foi o elo forte a unir  os dois. “Eu me dediquei à causa e em Moçambique, depois da guerra de libertação chegamos a estabelecer um regime marxista-leninista, mas não era o que eu sonhava”, lembra. “Naquele tempo eu só pensava em sobreviver. Comer e sobreviver.”

Faz uma breve pausa e olha indefinidamente o vazio. Parece que ele olha o vazio, mas que não é o vazio que ele vê e, sim, os anos duros da guerra de libertação colonial contra Portugal. Cada frase é seca. Curta. Perfurante como uma baioneta. Sonora como tiros de metralhadora. O que estará lembrando Mia Couto? Que ele, como Jorge Amado, romperam com o Partido comunista? Se ele ainda se considera ou não um homem de esquerda? Ou dos livros de Jorge Amado que leu na juventude: Jubiabá, Capitães de Areia… Ele sente indisfarçável orgulho em ter lido Jorge Amado, como sente orgulhoso  em lembrar que lutou  na Frente de libertação de Moçambique, Não, a guerra terminou em 1992 e a história ele registrou – e vale lembrar com vigor e talento – em Terra sonâmbula -, um dos magníficos livros da sua vasta obra. Ele diz, logo no início: “naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeira. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da levantar asas pelo azul. “Não, Mia não perdeu a leveza. Ele, um “simples sonhador” , está a pensar no Brasil. “Se há solução para o país?”

Diz repetindo a pergunta de um jornalista. “Vocês não estão sozinhos na crise. O mundo inteiro está em crise. É claro que existe amanhã”. Ele volta se fechar em silêncio como no final de Terra sonâmbula. A entrevista estava terminando. Logo depois ele faria conferência no Teatro Castro Alves sobre “Os deuses dos outros”, como parte da programação Fronteiras Braskem do Pensamento.

Teatro lotado. Mia Couto pensa para além do momento: pensa nos refugiados, na fragmentação do mundo e nos problemas da democracia . Pensa, igualmente, nos jardins da Casa de Jorge Amado e na sonoridade dos pássaros que em nada lembram o ruído das metralhadoras nos anos de guerra em Moçambique . A guerra acabou e agora os problemas são outros. Há toda uma geração começando a descobrir os livros e sendo educada. A procura de trabalho. É como se o final de Terra sonâmbula ganhasse vida: “Então as letras, uma por uma , se vão convertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos os meus escritos se vão transformando em paginas da terra.” Pois, Mia Couto, não é mais comunista, mas permanece engajado: o papel do escritor vai além, muito além, de escrever e publicar livros.  É o que ele tem feito. Procurando vencer os preconceitos, romper com a intolerância. Bravo Mia Couto, um homem branco que não se sente segregado entre milhões de negros .

Por Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC -SP)

“Estes tempos são o paraíso dos populistas” – Mia Couto

20 Terça-feira Jun 2017

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Mia Couto por Maria José Cabral

Traduzido em mais de 20 países e um dos escritores mais representativos do século 21, Mia Couto volta a Salvador (Brasil) no dia 3 de julho, mês em que completa 62 anos, para apresentar, no Teatro Castro Alves, a primeira palestra da edição 2017 do Fronteiras do Pensamento, que tem como tema geral “Civilização – A sociedade e seus valores”. Voando da África para o Brasil, ele respondeu esta entrevista por e-mail, antecipando o que pensa sobre o modo como nos relacionamos via redes sociais – das quais prefere manter distância –  a disseminação do ódio e a cultura do medo dividem a humanidade em lados opostos. “Essa construção do inimigo, a partir daquele que simplesmente desconhecemos, é agora feita em nome da civilização, em nome da modernidade. Mais do que nunca é preciso dar resposta a esse apelo fundado no invasor”. Sobre o processo de trabalho no romance que escreve neste momento, adianta que  o livro procura desconstruir uma certa visão do passado do seu país, Moçambique, e que a poesia, para ele, não é apenas um gênero artístico, mas uma linguagem de vida.

O senhor estará na Bahia, no início de julho, participando pela terceira vez do Fronteiras do Pensamento, no Teatro Castro Alves. E sabe-se desde sempre da sua admiração por Jorge Amado. Em que medida este autor o influenciou na sua escrita?

Não creio que, no meu caso, Jorge Amado seja exactamente uma “influência”. O encontro com os seus livros foi um momento da minha adolescência. O escritor baiano teve uma enorme repercussão na geração que me antecedeu em Moçambique e em todos os outros países africanos de língua portuguesa. Ao lê-lo, naquela época, nós estávamo-nos descobrindo, estavam-nos lendo. Amado revelava um Brasil cheio de África e sugeria personagens e caminhos que legitimavam uma procura que também era a nossa: encontrar na língua do colonizador formas de demarcação, modos de afirmação da alteridade.

O senhor já teve oportunidade de conhecer o memorial de Jorge Amado, em Salvador? Que lugares aprecia na Bahia?

Estive em Ilhéus e em Salvador, mas nunca no  memorial de Jorge Amado. Creio que nas duas cidades encontrei as paisagens que ele reinventa nos seus livros. Para mim, o que é mais rico não é o cenário recriado por ele, mas a riqueza e diversidade dos personagens. Todos eles, sendo brasileiros e baianos, podiam e podem existir em qualquer rua de Moçambique.

Temos acompanhado há alguns anos o grande sucesso feito por autores de Moçambique e Angola no Brasil. A que o senhor atribui o interesse por esses escritores e suas temáticas?

Foi um caminho difícil e levou o seu tempo. Lembro que, há uns trinta anos, pouco ou nada se conhecia. Mais grave do que isso: não havia senão numa pequena minoria o desejo de conhecer os africanos. Uma delegação de escritores africanos que em 1987 visitou o Brasil pela mão de Cremilda Medina de Araújo e encontrou essa enorme estranheza. Cremilda era pioneira na publicação de africanos por via de uma antologia chamada Sonha Mamana Africa. Havia uma outra editora, chamada Ática, que tinha uma colecção africana ao cuidado do professor Fernando Mourão. Essa colecção faliu quase à nascença. Mas depois, e num processo lento, graças ao trabalho abnegado de um conjunto de professoras e professoras universitárias (quase todas eram mulheres) começou no meio acadêmico um trabalho de divulgação. Essa semente foi aos poucos sendo disseminada. E houve, é preciso dizer, razões que são exteriores à própria literatura. O Brasil conhece hoje muito mais e muito melhor a África (ou as várias Áfricas). E isso aconteceu porque houve vontade política. Passou-se de uma proclamação vazia de proximidade a algo mais efectivo. E as editoras, finalmente, fizeram o resto. E hoje há uma relação saudável. Os autores africanos são procurados não tanto por serem “africanos”. Mas por serem escritores.

O tema do Fronteiras do Pensamento deste ano, “Civilização – A sociedade e seus valores”, parece reflectir o momento especialmente perturbador que atravessamos  em relação aos direitos humanos no planeta, com a eleição de Trump e a instabilidade política em vários países. Quais seriam os valores que pautam a civilização na contemporaneidade?

Eu acho que o mais importante é a tentação de buscar identidades que actuam como refúgio, de construir fortalezas contra a ameaça dos outros, esses que passaram de estranhos para a categoria de inimigos. Porque essa construção do “inimigo” a partir daquele que simplesmente desconhecemos é agora feita em nome da “civilização”, em nome da “modernidade”. Mais do que nunca é preciso dar resposta a esse apelo fundado no “invasor”, essa permanente fabricação do medo. O risco é que vença a ideia que estamos perante uma inevitável guerra entre dois campos civilizacionais.

Como o senhor vê o avanço crescente do racismo e do fascismo em todo o mundo? 

Fico preocupado com o modo desavergonhado com que o racismo e o fascismo se apresentam hoje em dia. Apesar do esforço de uma linguagem mais educada, essas doenças nunca desapareceram de facto. Mas não creio que haja, no global, um “avanço”: essas manifestações sempre estiveram presentes, mais ou menos disfarçadamente. A tentação de discriminar e culpar o “outro” assume agora proporções mais alarmantes por causa da conjuntura global de crise. Penso que o racismo e o fascismo comportam-se como as doenças oportunistas: já estavam lá, mas não havia sintomas claros. Numa situação generalizada de medo, como a que vivemos hoje, há condições que favorecem a manipulação política. As pessoas votam apressadamente por um salvador, por alguém que venha “repor a ordem”. Estes tempos são o paraíso dos populistas. Creio também que estamos a viver a ressaca do “politicamente correcto”. Pensávamos que havia menos racismo ou menos sexismo por causa de um nova representatividade de raça e de sexo. Acreditamos que houve mudanças sensíveis no modo de pensar da humanidade porque se passou o vocabulário a pente-fino. Esse maior cuidado em si mesmo não é mau. Mas o racismo e o sexismo não mudaram tanto como acreditamos. Continuamos a viver numa sociedade que produz desigualdade. Não basta um penteado novo. É preciso uma nova cabeça.

Muitos, teóricos inclusive, apagaram as divisões entre vida real e vida virtual. O senhor participa das redes sociais? Que pensa sobre as relações virtuais  e a disseminação do ódio nessas redes?

Não participo das redes sociais. Vejo-as como um instrumento que serve nos dois sentidos. Num momento de falência de outras pontes de ligação, como já foram os partidos e os sindicatos, as redes sociais ocupam um lugar privilegiado na transmissão de mensagens de forças completamente antagônicas. O meu receio é a ausência de filtro, de distância crítica do receptor da mensagem. Amigos meus juram ser verdade porque “viram na internet”.

Teríamos trocado a magia do real pela “magia” dos meios tecnológicos?

A questão, a meu ver,  é saber o que é exactamente o “real”. Ensinam-nos a ter uma visão muito estreita da realidade. Deixa-se de fora uma certa magia que, afinal, é imanente da realidade. Por isso se diz que há uma certa tendência literária chamada de “realismo mágico”. Quando, afinal, toda a literatura contém em doses diferentes a realidade e a magia. Os meios tecnológicos são o que são: aparelhos, engenhos, máquinas. Infelizmente, eles estão sendo vendidos de forma humanizada. Estamos a proceder a uma curiosa inversão: a humanizar a máquina e a mecanizar a pessoa humana. Já há robôs de companhia, pequenos aparelhos que substituem os animais de estimação. Pediremos um dia a um robô que nos abrace para nos salvar da solidão.

Numa entrevista, o senhor disse que “ser uma pessoa feliz e autônoma é uma conquista pessoal. Não se pode esperar que algum movimento social ou político faça isso por você”. No entanto, há uma imposição da felicidade quase como sinônimo de carácter e saúde. Como o senhor encara essa felicidade como valor a que estamos submetidos?

Não me recordo em que contexto fiz essa afirmação. Creio ser necessário fazer aqui um reparo. A felicidade pode ser uma conquista pessoal, mas nasce do nosso encontro mais profundo com outras pessoas. E, isso, duvido que se alcance apenas com um toque numa tecla de um computador. A felicidade pede uma presença  mais corpórea, produzindo uma relação mais do que uma ligação. Existe a tentação de confundir felicidade com bem-estar. E acreditar que esse bem-estar se resume a uma certa “química” nos nossos neurônios. Coisificar a felicidade é um modo de a poder vender. Não há tecnologia que seja capaz de fazer isso.

O senhor traçou, certa vez, um comparativo entre a leitura no Brasil e em Moçambique. Acredita que esta situação se manteve? 

Lê-se pouco. Essa é a sensação mais imediata. Mas não sei como poderíamos medir isso. No caso específico de Moçambique, é evidente que o livro é um bem muito pouco acessível. Porque se produz pouco e circula pouco, em primeiro lugar. E depois, porque é muito caro. Não se pode esperar que a relação com a leitura mude espontaneamente. Há grandes variações em países que são vizinhos e que vivem as mesmas facilidades econômicas. Estive este ano na Alemanha, na Feira do Livro de Dresden, e fiquei abismado com a afluência de jovens. Só se pode explicar tanta gente e tão entusiasmada por uma atitude que nasce da escola. E que ganha tradições mesmo antes da escola.

O senhor é biólogo e mantém-se atento activamente à preservação ambiental. Como  vê a situação hoje no nosso planeta? O que pensa sobre o recuo recente dos americanos, caminhamos para o caos inexorável ou haverá  uma mudança de rumo?

Não se trata apenas de “preservar”. Há que conservar áreas onde se encontram habitats e espécies em risco. Mas é preciso ir mais longe e deixar de jogar apenas à defesa. Trata-se de mudar radicalmente o tipo de economia e repensar a nossa relação com a chamada natureza. Mais do que os seus administradores (bons ou maus, não sei quem nos atribuiu esta função directiva), nós somos parte dela. Medidas para contenção dos excessos são urgentes. Mas não bastam. Porque não se trata apenas de corrigir. Trata-se de sacudir profundamente as bases de um sistema predador que olha o patrimônio natural como “recursos” e que vive da sua conversão em lucros financeiros.

Trabalha hoje em novo projecto literário? Que espaço a poesia ocupa hoje na sua vida?

Estou a terminar o terceiro volume de um romance que se pode dizer “histórico”, mas que só pode ser chamado assim porque procura desconstruir uma certa visão do passado do meu país. A poesia continua o centro da minha existência. Não é um gênero artístico. É a linguagem da vida.

Por Kátia Borges, in atarde.uol.com.br

“Na África, a causa das doenças não tem um ‘que’, mas um ‘quem’” – Mia Couto

17 Sábado Jun 2017

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Sua obra “Terra Sonâmbula” foi considerado um dos melhores livros africanos do século 20 (Foto: Torch Fotografia/Brain Congress/Divulgação)

Mia Couto é um dos escritores da língua portuguesa mais celebrados da actualidade. Nascido na cidade de Beira, em Moçambique, os seus livros já foram traduzidos para mais de dez línguas e fazem sucesso em duas dezenas de países. Além do trabalho com as letras, ele também estudou medicina — abandonou o curso no terceiro ano para se dedicar ao jornalismo — e é formado em biologia, onde ainda tem actuação profissional.

Vencedor do Prêmio Camões em 2013, a mais distinta honraria literária lusófona, Mia Couto está no Brasil para uma série eventos. Uma das suas aulas ocorreu quinta-feira (15) em Porto Alegre, durante o Congresso Mundial de Cérebro, Comportamento e Emoções, que SAÚDE está a acompanhar. Antes da palestra, o autor concedeu uma entrevista colectiva para os profissionais da imprensa, em que levantou questões filosóficas sobre a interface entre ciência e misticismo, o nosso pensamento racional e a maneira como vemos o mundo. Confira as perguntas e as respostas abaixo.

Na sua palestra, você vai falar da relação do moçambicano com a ciência. Como se dá isso?

Não é do moçambicano em si, até porque somos muitos e com culturas distintas. Mas vou tomar o exemplo de um caso, uma vivência que eu tive com um moçambicano de uma zona muito remota do país, para mostrar que há outros entendimentos do cérebro, da mente e da consciência.
Quero fazer uma espécie de convite para que a ciência tenha essa abertura e esteja disponível para escutar outras sabedorias. E perceber que, no fundo, ela é uma construção que precisa estar junto de outras para que possamos ver o mundo de uma maneira composta e plural. Eu percebi que, num momento como este, não tenho competência se não for no sentido de contar experiências minhas, vivências que eu testemunhei e ilustram esse múltiplo olhar de quem somos.

Como é trafegar por esses dois mundos: ser biólogo e escritor, da ciência e da literatura? Como explicar isso para as pessoas?

Causa-me uma certa estranheza essa pergunta, porque ela é constante. Como você compatibiliza ser biólogo e ser escritor? Mas para mim nunca se colocou questão nenhuma. É como o escritor russo Tchekhov dizia quando lhe questionavam, uma vez que também era médico. “É como se a amante e a esposa fossem a mesma pessoa”. Não há aqui uma separação. Para mim, a biologia vale como uma proposta de narrativa. Uma narrativa que conta uma história, a história da vida, e me coloca numa relação de entidades que estão a falar, a tentar trocar linguagens comigo. Eu percebo melhor o mundo vivo que me rodeia. Eu sei falar com uma árvore, eu sei olhar para uma pedra de uma maneira que não era aquela que fazia antes de acabar o meu curso de medicina. Na medicina, não me formei. Para o bem dela, aliás. Mas terminei biologia e faço-a como uma aprendizagem permanente, para perceber que há esse parentesco profundo entre entidades que parecem tão dessemelhantes.

Como foi a vivência que você testemunhou nessa região remota de Moçambique? Como isso se conecta com os outros saberes?

Trata-se de um episódio. É uma coisa permanente no meu trabalho. Eu venho de uma cultura urbana, mestiçada de africana com europeia. E, quando viajo, encontro outros mundos e outros olhares que são importantes para eu perceber que preciso estar em diálogo, preciso estar disponível. Vou contar um dos casos que ilustra como há posições diferentes sobre quem somos. Há muitos anos, eu estava com o escritor zimbabweano Chenjerai Hove e ele ia visitar a sua avó, que vivia numa montanha remota. Este facto passou-se há 30 anos. A senhora não conhecia o que era um radio de pilha. E Chenjerai ia dar um para ela. Eu não fui com ele até lá, mas ele me perguntou: “Como achas que ela vai reagir?”.
Pensamos que ia ficar cheia de medo, fugir, achar que era coisa de feitiçaria. Quando voltou, o meu colega disse que ligou o aparelho e estava a passar o noticiário na língua dela. A avó percebia o que se dizia. Quando acabou o noticiário, ela perguntou ao neto: “Esse homem, a falar dentro desta caixa, dizia palavras que vinham da cabeça dele ou mandaram ele falar?”. Essa coisa é surpreendente. Porque ela percebeu que havia um compasso, um silêncio, uma pausa que nunca ouvira. A senhora concluiu que ou o locutor mentia ou falava pela voz alheia. Esses tipos de encontros são importantes porque colocam em foco essa questão de valorizar o outro. De a gente pensar que vamos encontrar coisa exótica e engraçada. Não é engraçado. E ainda sugere que há uma outra percepção de mundo que nos faz falta.

Você tem ideia como essa sabedoria africana entende a demência?

Não conheço muito, mas a percepção geral é que a doença não tem um “que” como causa, mas um “quem”. Há um sujeito. E, em geral, a enfermidade significa que há uma lacuna numa harmonia que se perdeu com a família, os amigos, a aldeia, o mundo. É uma visão cósmica em que a saúde deriva desse equilíbrio, dessa conjugação, e a doença é um sinal, um símbolo. O terapeuta africano não se propõe curá-la como se fosse uma coisa, mas ele coloca essa pessoa à disposição de forças capazes de recompor essa harmonia.

Cada vez mais se fala da importância da leitura para evitar problemas cognitivos, principalmente em idades mais avançadas. Ao mesmo tempo, a gente vê no Brasil um nível de leitura baixíssimo. Como fazer as pessoas ficarem mais próximas desse hábito?

Da parte que me cabe, eu acho que os escritores têm que dar uma resposta para a relação com o audiovisual, que é mais sedutor para as pessoas. Necessitamos de uma escrita que se actualiza, que se moderniza com o mundo de hoje. Acho que esse é um primeiro desafio. Mas depois, é preciso de todo o resto. É preciso de uma escola diferente. É preciso de uma ideia que ler não é só o livro. É preciso saber ler o mundo, ter uma relação com os outros. Quando eu falo com você, eu estou te lendo. Porque você está aqui, tem um corpo, um olhar. E isso é substituído actualmente por uma relação meramente virtual. Provavelmente, a deficiência na leitura do outro é mais grave que na leitura dos livros.

Você falou que sua palestra é um convite para a neurociência olhar alternativas. Ao mesmo tempo, faz uma crítica sobre como a neurociência encara ela mesma. Que crítica seria essa?

Não é uma crítica, mas uma declaração de inveja. Porque hoje a neurociência tem um poder de sedução enorme. Nós biólogos já tivemos, mas perdemos, foi-se o tempo. Eu acho que os neurocientistas não precisam escutar o que digo. Eles não precisam ser alertados sobre essa visão mecanicista, de olhar para o cérebro como um aparelho, um instrumento que pode ser comparado a um computador. Eles já sabem disso.
Eu conto uma história com um caçador da tribo de uma região remota de Moçambique. Para esse caçador e sua cultura, o cérebro está no corpo todo. Ele não é uma coisa, mas uma relação, um processo vivencial. E isso é uma verdade que tem que ser combinada com essa outra busca que os cientistas fazem, que passa por estudar a química, a física, a biologia. Quando falamos sobre identidade humana, isso só não basta.
Às vezes nós não temos consciência de quanto, por sermos do século 21 e possuirmos toda essa tecnologia, temos dentro de nós facetas diferentes que estão escondidas. É a visão cósmica, que une o lado religioso com o racional. Elas convivem e não há problema nisso. Uma das razões de eu gostar de vir ao Brasil é que essa troca está sempre à flor da pele. O brasileiro, mesmo o cientista mais sério e convicto, é capaz de me perguntar após cinco minutos de conversa qual é o meu signo no zodíaco para saber quem eu sou. E não existe conflito nisso. Não há o que corrigir. É bonito.

O congresso em que estamos faz a ligação do cérebro com o comportamento e as emoções. Porém, a maioria dos estudos apresentados são sempre feitos na Europa e nos Estados Unidos. Quando pensamos em patologias e comportamentos de influência externa, não seria importante ter mais pesquisa realizada em outros lugares, como a África e a América Latina, que carregam culturas e contextos completamente diferentes?

Os estudos precisam ser referenciados na cultura, na maneira de ver o mundo, que são diversas nos variados locais. Só para voltar a Moçambique, não há palavras equivalentes a “natureza”, “mente”, “consciência” em alguns dialectos. Eles percebem o mundo de outra maneira. Existem formas diferentes de se enxergar essa separação aparentemente tão nítida entre aquilo que é o corpo e a alma. Isso leva a uma compreensão distinta sobre o que é o outro, as cores, o gosto, a visão, o olfato. Por exemplo, para algumas línguas do meu país, “sonhar” e “voar” se diz com o mesmo verbo. Não há distinção nenhuma. Como essas pessoas entendem o mundo? Naquele encontro com o caçador da tribo, eu fui com o meu filho, que também é biólogo. A certa altura, nos despedimos e eu disse “adeus”. O caçador olhou pra mim aterrorizado e disse que não poderia falar aquilo. “Ele não vai dormir com você na tenda, porque você está a se despedir dele?”. Pela primeira vez eu me perguntei sobre a ideia do que é ausência, do que é presença. Por que a gente se despede de quem dorme ao nosso lado? Isso vem da ideia de que a consciência é estar desperto, a marca da presença de alguém. Para ele não. “Você devia cumprimentar aqueles com quem sonha, não despedir-se dos que dormem”.

A gente pode dizer que a ciência sempre busca uma explicação racional da vida. Mas, para compreender o ser humano, é preciso saber de todo um lado que se pauta pela subjectividade, pelas sensações e outras referências?

Há várias racionalidades e maneiras de pensar sobre isso. Uma coisa é conhecimento e outra é a sabedoria. Essas sabedorias têm que ser escutadas de uma maneira que não é paternalista, antropológica, da procura pelo exótico. Mas, sim, no sentido de estar disponível. Eu sou ateu. Mas digo que sou um ateu não praticante, porque estou aberto a buscar outras experiências e sabedorias. Criou-se a ideia dessa ciência mais racionalista, de que o desconhecido é algo que se equipara às trevas. E dá medo não conhecer. Essa ideia é perigosa!
Parece que vivemos na busca da linha do horizonte, que sempre se afasta de nós. Eu gosto de mistério. Eu gosto desse lado enigmático que não sei explicar. Foi criada a ideia de que é preciso um conhecimento que domina tudo. Se eu pudesse ter pedido alguma coisa aos meus professores é que não explicassem tanto. Não expliquem tudo!
Uma coisa que a África dá é esse sentimento de bem-estar e tranquilidade pela relação que ela estabelece com o que não se pode prever. Aqui, o nosso lado europeu nos coloca numa situação intranquila, insegura. A gente tem que saber o clima de amanhã, o que se passa em todos os lugares do mundo. Há cinco anos quem diria que o Brasil ia ser visto como é hoje? Cada vez mais percebemos que aquilo que compreendemos é muito pouco. E não dá pra comandar a vida tanto quanto a gente quer.

O órgão que a ciência menos conhece é o cérebro. É por isso que a gente tem tanta fascinação científica e literária por ele?
Se isso fosse um congresso sobre o pâncreas, estaríamos nós aqui? Eu não sou neurocientista, mas hoje sabe-se que esse sistema cognitivo não está só no cérebro, mas no sistema endócrino, imunológico… Nós é que compartimentamos e vemos as coisas dessa maneira. Há um fascínio restrito a essa nossa cultura, que encontra o cérebro como a obra-prima de Deus.

Por André Biernath, in saude.abril.com.br

Poeta premiada de Moçambique lança seu primeiro livro no Brasil

04 Domingo Jun 2017

Posted by mozrealblog in Hirondina Joshua, Literatura, Literatura Moçambicana, Poesia, Poesia Moçambicana, Sem categoria

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Hirondina_joshua_caricaturaHirondina Joshua chega ao Brasil com o seu livro, lançado no país neste mês, “Os Ângulos da Casa” (Ed. Penalux. R$ 34). Nascida em Moçambique, a poeta de 30 anos vem conquistando prêmios literários mundo afora e ganhado reconhecimento internacional.

Com livros publicados em países como Portugal, Angola e Galiza, Hirondina surpreendeu por levar a visão poética da juventude africana a uma voz universal, que atingisse tanto países europeus como americanos. Em 2014, ela ganhou a Menção extraordinária no Premio Mondiale di Poesia Nósside, oferecido pela diretoria internacional de poesia da Unesco.

Em entrevista ao Metrópoles, Hirondina fala sobre as suas inspirações poéticas, lugar da literatura, o seu trabalho em Moçambique e as expectativas de conhecer o Brasil. Confira:

Metrópoles – De onde encontra a sua inspiração poética?
Hirondina Joshua –
 O mundo a meu ver não dissocia do interior e vice-versa, são realidades que não podem se apartar embora apareçam de formas diversas. As duas realidades coexistem. A minha inspiração é resultado das vivências e experiências e, claramente, a minha sensibilidade, o meu modo de olhar para as coisas. O mundo não se esgota por ele ser tão grande, creio eu que cada humano usa uma parte dele, o que nós chamamos de “mundos”, então o mundo é um conjunto de mundos onde cada qual tem expressão e impressão das coisas ao seu redor dentro do seu plano e das suas descobertas. Sendo a poesia ou a arte poética, a própria vida.

Metrópoles – O que é ser uma poeta na África nos dias de hoje?
Hirondina –
 Bem, para mim, a poesia é universal e atemporal, mesmo aquela que toca aspectos íntimos como os ligados a uma comunidade, raça, nível social, etc. Na verdade, não se desliga da realidade humana. O homem de ontem, o homem de hoje, o homem africano, o homem não-africano não mudaram, encontramo-nos dentro de um sistema onde nasce-se e morre-se mas sempre continuamos com os mesmos problemas relativos a valores axiológicos: aceitação do outro, a manipulação, o jogo do poder.

Metrópoles – Seu livro foi publicado em países como Portugal e Angola. Você acredita que há uma circulação melhor entre países que falam português? Há uma parceria entre esses países?
Hirondina –
 Colaboro em revistas do Brasil, Angola, e Galiza, e antologias nesses países e na Espanha. A tecnologia ajuda muito para que se conheça uma obra. Há parcerias sim. Essas associações surgem a partir dos prêmios da lusofonia, antologias, feiras do livro e revistas eletrônicas.

Metrópoles – É possível falar de arte pela arte ou toda produção artística sempre reflete seu próprio tempo?
Hirondina –
 Creio eu que haja arte que explana o tempo em que ela foi feita, a partir dela se pode ver o modo como as pessoas viviam, como vestiam, o que comiam, como falavam… Enfim o modo de ser e estar, a sua cultura. Mas também existe a arte pela arte, que para mim transcende o tempo em que ela foi feita, o lugar e todos aqueles aspectos construtores de uma época.

Hirondina_joshua

– KDUMBA/DIVULGAÇÃO

Metrópoles – A poesia dá conta de compreender os paradoxos do mundo moderno – tanto no que se diz respeito ao indivíduo como ao coletivo, ao momento mundial?
Hirondina –
 Sim, sem dúvida. A poesia gira em volta do homem, este que não se realiza individualmente nem sequer coletivamente, é uma simbiose. Vai se mostrar individualmente, coletivamente, em termos do momento: ele se mostra dono do seu tempo e, ao mesmo tempo, mostra-se fora dele.

Metrópoles – Há uma previsão de visitar ao Brasil?
Hirondina –
 Espero visitar no próximo ano. Sempre quis conhecer o Brasil, principalmente o Rio de Janeiro. Achei muito impressionante e o fato de terem dado o nome de “rio” à cidade, nada mais poético. Fiz muitas amizades com brasileiros, alguns amigos conheço pessoalmente e outros ainda não. Parecem-me pessoas quentes e alegres.

Por Paulo Lannes, in http://www.metropoles.com

Ungulani Ba Ka Khosa lança livro “Cartas de Inhaminga”

13 Quinta-feira Abr 2017

Posted by mozrealblog in Literatura, Literatura Moçambicana, Sem categoria, Teodato Hunguana, Ungulani Ba Ka Khossa

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Ungulani-Ba-Ka-Khosa

Escritor Ungulani Ba Ka Khosa

Foi lançada esta quinta-feira, 13 de Abril, em Maputo, o obra literária “Cartas de Inhaminga”, do escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa. O livro, que conta com o apoio da mcel-Moçambique Celular, é chancelado pela Alcance Editores.

Apresentada na cerimónia pelo também escritor Marcelo Panguana, a obra reúne 19 crónicas escritas no passado por Ungalani Ba Ka Khosa para diversos jornais baseados na cidade de Maputo.

No entanto, o título foi escolhido pelo autor para render homenagem à sua terra natal, Inhaminga, na província de Sofala. Aliás, conforme explicou Ungulani Ba Ka Khosa, “as Cartas de Inhaminga constituem pequenos apontamentos sobre o meu olhar ao País, o que de bom e de mau teve”.

Contextualizando, o autor referiu que “o grosso dos textos emerge na chamada Segunda República, depois de aprovada a segunda constituição nos anos 90”.

“Foi a partir deste momento histórico em que, com a liberdade de expressão, tivemos a oportunidade de manifestar e exercer a nossa cidadania”, explicou.

Ungulani Ba Ka Khosa aproveitou a ocasião do lançamento das “Cartas de Inhaminga” para endereçar os seus agradecimentos aos patrocinadores do livro, em particular à mcel.

“A mcel tem dado um apoio muito grande às artes e à literatura em particular. Nós agradecemos a esta grande companhia por olhar para a cultura moçambicana com muito carinho”, manifestou.

O presidente do Conselho de Administração da mcel, Teodato Hunguana, disse, por sua vez, que a operadora de telefonia móvel patrocina e continuará a prestar apoio aos grandes e importantes autores da literatura moçambicana, como é o caso de Ungulani Ba Ka Khosa.

“Este patrocínio, em particular, fizemos com muita convicção, muito prazer e com muita certeza de que estamos a apoiar algo que vale a pena”, referiu o PCA, garantindo que a “mcel também valoriza-se ao patrocinar um escritor com a qualidade de Ungulani”.

“Esta sempre foi a vocação da mcel e espero que no futuro esta marca continue ligada a esta inclinação que se enraizou na sua existência, de prestar apoio à cultura e outras iniciativas que enaltecem a nossa moçambicanidade”, manifestou.

De seu nome verdadeiro Francisco Esaú Cossa, Ungulani Ba Ka Khosa nasceu em 1957 em Inhaminga, província de Sofala. Actualmente desempenha as funções de Secretário Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos – AEMO.

Obra de Lucílio Manjate revelou “cunho mais ousado” e “inteligência” – Mia Couto

14 Terça-feira Mar 2017

Posted by mozrealblog in Literatura, Literatura Moçambicana, Lucílio Manjate, Prémio Literário Eduardo Costley-White, Sem categoria

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Lucilio-Manjate

Lucílio Manjate, vencedor do primeiro Prémio Literário Eduardo Costley-White

O escritor Mia Couto, que presidiu ao júri da primeira edição do Prémio Literário Eduardo Costley-White, realçou esta segunda-feira o “cunho mais ousado” e a “inteligência” do romance “Rabhia”, de Lucílio Manjate, que o levou a arrecadar o galardão.

“Há aqui um cunho mais ousado, e o uso de uma inteligência neste livro, que faz de uma história aparentemente policial – a natureza da escrita sugere uma história policial -, mas o que ele faz é percorrer aquilo que são as entranhas de uma sociedade como é a moçambicana, mas que podia ser do mundo inteiro”, afirmou Mia Couto.

Referindo-se ao livro, hoje, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), durante a entrega do prémio, Mia Couto afirmou: “Há ali uma história que é profundamente humana, que é contada de uma maneira muito, muito original. A originalidade e aquilo que é uma escrita de caráter único, foi o que nos ajudou a distinguir” a obra.

Para o escritor, o grande destaque é esta obra apresentar “uma escrita de rutura, uma forma nova”.

Mia Couto afirmou que a “poesia é absolutamente dominante em Moçambique e a nova geração prossegue essa tradição, mas este livro é diferente”.

“Foi surpreendente, um jovem com esta qualidade, por via da prosa, já não falar dos temas que são constantes e mais saturados da literatura moçambicana”, declarou Mia Couto.

A professora catedrática Ana Oliveira, que fez parte do júri, em representação das Edições Esgotadas, que vão publicar “Rabhia”, referiu-se a Lucílio Manjate, de 32 anos, como “um poeta obcecado pela palavra ao detalhe” e disse que “Moçambique está todo refletido” nesta obra.

O escritor premiado, por seu lado, disse que dedicou o livro à mulher e aos dois filhos, e que este galardão, atribuído pela primeira vez, dedicou-o “a anónimos” que são os “heróis contra a guerra, os heróis contra a fome, os heróis contra o terrorismo, os heróis contra o analfabetismo, contra a incultura, contra a intolerância e o desamor, gente anónima que constroi, com humildade, na sua jornada diária, Moçambique, uma África e um mundo melhor”.

Além de Mia Couto, que presidiu, e Ana Oliveira, constituíram o júri José Riço Direitinho, Isabel Lucas e Clara Ferreira Alves.

Na cerimónia de hoje, o filho mais velho do poeta Eduardo Costley-White, Sandro White, afirmou que a família irá preservar todo o seu espólio e tudo fazer para publicar os inéditos existentes.

A FLAD organiza o prémio em parceria com a editora Edições Esgotadas, o vencedor recebe dez mil euros e vê o seu livro publicado.

“Além do aprofundamento da relação entre Portugal e os Estados Unidos, a FLAD aposta na cooperação com os países africanos de língua portuguesa. Este prémio vem mostrar esse empenho, em especial através da difusão da lusofonia, da língua portuguesa e da promoção de novos talentos literários”, disse hoje o presidente da FLAD, Vasco Rato, que realçou o facto de, na sua instituição, há 30 anos, ter optado pela inclusão do gentílico luso, numa clara alusão ao espaço da Língua Portuguesa.

“A FLAD jamais se limitou a aprofundar a relação bilateral entre Portugal e os Estados Unidos, com efeito o reforço das relações de Portugal com África constitui, desde sempre, um pilar estruturante da nossa atuação”, disse Vasco Rato.

Segundo o responsável, “difundir a língua portuguesa e exaltar os autores que a utilizam para criar, foi um dos grandes objetivos que pautaram o lançamento deste prémio”.

Sobre a obra vencedora qualificou-a como “excecional”, destacando que “expressa exemplarmente a criatividade dos escritores africanos e a sua riqueza artística, que encontramos nesta casa comum, que é a nossa língua”.

Um total de 34 escritores de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe candidatou-se à primeira edição do Prémio Literário Eduardo Costley-White, que promove novos talentos africanos de língua portuguesa.

Fonte: Lusa

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